Bom dia amigos, segue abaixo a análise feita por mim do Contrato na Contemporaneidade, explorando o Contrato após a mudança de paradigmas. Boa leitura!!!
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O CONTRATO NA CONTEMPORANEIDADE
André Silveira
O
paradigma da Modernidade foi ultrapassado diante da evolução e expansão social
que o sucederam, momento em que surgiram novas exigências para essa sociedade
que nascia, no sentido de criar oposição à razão totalizadora do pensamento
jurídico Moderno, o movimento de passagem do individualismo ao solidarismo, ou
solidariedade social, expressa na nova concepção de pessoa, tendo não mais o
sujeito caráter abstrato e imposto à forma da Modernidade, mas a pessoa
engajada no seu meio social.[1]
Também
seguem como fatores de derrubada da Modernidade e do Estado Liberal, o
pluralismo das fontes de direito e a importância crescente dos princípios
jurídicos na gênese da norma jurídica aplicável ao caso concreto, a
possibilidade e o reconhecimento da individualização e concretude destas normas,
o que resulta a afirmação de que todos estão expostos a uma sociedade de “risco”,
e a desagregação do direito civil em corpos jurídicos autônomos (por exemplo, o
Código de Defesa do Consumidor), dotados de princípios e unidades próprias, que
passam a constituir novos ramos do direito, regulando, inclusive, a seara
contratual, diante de uma sociedade amplamente modificada.[2]
Diferentemente
do que traz Enzo Roppo, que “a verdade é que não existe uma “essência”
histórica do contrato; existe sim o contrato, na variedade das suas formas
históricas e das suas concretas transformações “[3], fazendo alusão à evolução do contrato diante das
novas exigências sociais.
Muitos
autores, como, por exemplo, Grant Gilmore, preconizaram isso como uma crise do
contrato, o fim da idade de ouro do mesmo, e até a morte do contrato[4], como se este não fosse capaz de acompanhar o ritmo da
sociedade a partir de então.
Consagrando
a mudança do paradigma contratual, o Estado Liberal, após a primeira guerra
mundial, é substituído pelo Estado Social de Direito, caracterizado pela ação
intervencionista no domínio econômico, tendo como principal objetivo o bem
estar social.[5]
Com
a substituição do Estado Liberal pelo Social de Direito no século XX, o foco do
Estado voltou-se ao cuidado e a proteção dos direitos econômicos e sociais dos
cidadãos, limitando, assim, a vontade e a liberdade individual, partindo da
premissa de que grande parte dos contratantes encontra-se em situação
notoriamente diversa, ocorrendo um desequilíbrio da relação, seja no campo
econômico, moral ou técnico, e até mesmo de discernimento da situação presente
na relação contratual.[6]
Fez-se
necessária, então, a intervenção estatal, a preocupação do Estado neste tipo de
relação, pois o desequilíbrio era flagrante, sendo preciso implantar mecanismos
que visassem proteger o interesse coletivo.
O
Estado Social é considerado resultado de uma composição entre liberalismo e
socialismo, que no Século XX exigiu, por meio da produção em massa e da
concentração de capital, a atenção no que tange as relações entre Estado e
sociedade, tendo em vista a eliminação da tensão provocada entre capital e
trabalho, dando vazão a uma mudança de paradigma social.[7]
Este momento histórico caracterizado pela intervenção
estatal como redutora de desigualdades busca, por meio da interferência
legislativa, criar regramentos específicos que limitam o poder jurígeno dos
negociantes, e, para além disso, amplia suas atividades e promove um rigoroso
controle da economia.[8]
Observando-se o fato de que a ordem jurídica que
prometia a igualdade política não encontrava maneiras de estar apta a ensejar a
igualdade econômica, exigiu-se do Estado novo comportamento, de modo que, este,
a partir deste momento histórico, passa a intervir nos negócios jurídicos,
restringindo os limites da atuação da vontade das partes, fenômeno que se
denominou dirigismo contratual, e que tem por finalidade proteger o
economicamente mais fraco do jugo dos poderosos, minimizando as diferenças
existentes no plano concreto.[9]
Neste condão, voltando-se contra os desvios provocados
pela auto-regulação do mercado, o Estado interfere na esfera econômica,
instaurando o dirigismo econômico, passando a dirigir e controlar o processo
produtivo para redistribuir o produto social. Vale-se de uma política fiscal
capaz de promover os serviços de utilidade social e conferir aos cidadãos
condições de existência, que os integrem no tecido social.[10]
A
intervenção do Estado na economia trouxe diversas modificações também na
ambiência do contrato, sendo que, no novo contexto determinado por esta
política de intervenção, o contrato sofreu duas principais modificações em sua
significação e em sua função, em que deixa de ser apenas expressão da autonomia
privada e passa a ser uma estrutura de conteúdo complexo e híbrido, com
disposições voluntárias e compulsórias, nas quais a composição dos interesses
reflete o antagonismo social entre as categorias a que pertencem os contratantes.[11]
Esta intervenção estatal trazida com o
Estado Social deu-se no momento em que o desequilíbrio era patente, pois, a
relação contratual no Estado Liberal dava a falsa suposição de igualdade e
equilíbrio contratual, a partir da idéia de liberdade presente naquela época, que,
de fato, facilitava a dominação de uma classe economicamente mais forte em
detrimento de uma mais frágil.
No
Estado Social (welfare state) todos
os temas sociais juridicamente relevantes foram constitucionalizados. Este
momento histórico caracteriza-se exatamente por controlar e intervir em setores
da vida privada antes interditados à ação pública pelas constituições liberais.
No Estado Social, portanto, não é o grau de intervenção legislativa, ou de
controle do espaço privado, que gera a natureza de direito público.[12]
Com
o contrato ingressando nas constituições e evoluindo nas codificações,
refletindo o novo paradigma social, princípios também tiveram de ser
incorporados ao seu corpo. Princípios[13] que refletem a concepção que o contrato adquiriu,
sendo, um deles o da função social do contrato, princípio que serve como baliza
a atuar quanto à tutela dos efeitos externos produzidos pelos negócios
jurídicos, delimitando que estes não produzam efeitos danosos à sociedade como
um todo.[14]
Outro
princípio de suma importância nesta fase do contrato é o princípio da boa-fé
objetiva, que merece ser lido dentro de seu contexto plurissignificativo, se
fazendo mister no momento de integrar o conteúdo do negócio nos pontos
lacunosos e para vedar a inserção de cláusulas que violem o princípio[15], como explicita um recente julgado do TJSP[16] sobre o assunto.
Princípio,
este, que necessariamente deve estar presente em todos os negócios jurídicos,
pois este age como norteador da relação jurídica, limitando, muitas vezes, o
exercício de direitos.[17]
Dos
essenciais princípios que o contrato absorveu em sua concepção mais social, o
último é o da equivalência material, o qual versa acerca do fundamental
equilíbrio que deve estar presente em toda e qualquer relação jurídica exercida
pelas partes, objetivo pelo qual veio reduzir as desigualdades deixadas de
herança pelo entendimento Liberal, visando a equivalência concreta entre as
prestações.[18]
Estes princípios contratuais e esta noção modificada de
sociedade trazida pelo Estado Social mostram que o interessante não é mais a
exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou
celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das
partes e desvantagem excessiva para a outra, o que consagra o principio da
equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos
constitucionais a ele aplicáveis, sugerindo um equilíbrio preponderante na
relação contratual.[19]
Mesmo
assim, diante a adoção de tal postura, o liame contratual continuou com uma
crescente distorção social, pois a classe burguesa adaptou-se rapidamente ao
rompimento havido e continuava a enriquecer em prejuízo do empobrecimento de
grande parte da sociedade.[20]
Diante
deste contexto social e econômico, a ideologia contratual teve de se adaptar as
novas exigências que historicamente foram sendo delineadas, exigindo do direito
civil uma releitura de sua disciplina legal e jurisprudencial, de suas funções
e de sua própria estrutura.[21]
A
partir desse desequilíbrio não demorou o início de uma crise do modelo de
Estado Social: ao mesmo tempo em que a escassez de suas políticas públicas
coloca em risco os direitos fundamentais e sociais, elas não se revelam como
escolhas da sociedade, mas de pequenos grupos que se alteram no poder,
colocando em xeque o princípio democrático.[22]
Diz-se
então, que os direitos fundamentais deparam-se, no interior desse Estado, com
as dificuldades de sua realização. Eis que o valor desses direitos decorre
antes de sua eficácia do que de sua idealidade.[23]
Ao Estado Social sucedeu o Estado Democrático de Direito,
que se caracteriza pela institucionalização da convergência da democracia e do
socialismo, superando o neocapitalismo próprio do Estado Social.[24]
Neste momento o Estado volta-se para um novo paradigma,
no qual possa encontrar a superação da crise do modelo social, encontrando, o
Estado Democrático de Direito, acolhida nas Constituições, o que representa um
salto em relação ao modelo intervencionista[25], na medida em que confere ao Direito uma função
transformadora e desloca o ponto de tensão entre Estado e sociedade do
Executivo para o Judiciário. Especialmente em sua jurisdição constitucional,
atribui-se aos juízes poder para avaliar as medidas de bem-estar social,
propostas pelos governantes, conferindo-lhes um “peso democrático". Nessa
perspectiva, o Estado Democrático de Direito mostra-se como uma fórmula
indissolúvel, que liga democracia e realização dos direitos fundamentais.[26]
No período social anterior buscou-se a ação dos poderes
públicos para que se desenvolvessem mecanismos contratuais favoráveis à
coletividade[27], ao passo que o Estado Democrático de Direito é o
momento de – teórica – realização das reivindicações do Estado Social,
impondo-se a real democracia e a justiça social, bem como o aparente equilíbrio
contratual.
Tornando-se essencial que o contrato, ao permitir a
satisfação das necessidades das partes, o faça em conformidade com os anseios da
justiça social presente.[28] Consagrando, assim, a verdadeira democracia perdida no
Estado Social ao passo que as desigualdades em favor de alguns grupos
tornavam-se superiores.
Estas
oscilações políticas e sociais, que descortinam o Estado Democrático de
Direito, têm decisiva influência no contrato. Trazendo consigo o “projeto de
uma nova sociedade”, de uma mudança de paradigma não só prático, mas
interpretativo, os textos constitucionais acolhem os princípios de direito privado[29]: o contrato definitivamente ingressa na visão constitucional.[30]
No
Estado Democrático de Direito, os valores e princípios fundamentais do direito privado
transitam para a esfera política. Ao transpor as barreiras que separavam o
público do privado, o Estado toma para si a tarefa de proteção e realização dos
direitos fundamentais e de pleno desenvolvimento da pessoa. Trata-se da esfera
política definindo os valores do direito privado e conferindo-lhe feição
democrática. Com efeito, o contrato, situação subjetiva patrimonial construída
sob a inspiração do liberalismo, é chamado a funcionalizar-se às relações
existenciais.[31]
A
principiologia contratual contemporânea, desenhada pela força normativa da Constituição,
elege como valor a pessoa, não mais a irrestrita idéia de propriedade no centro
gravitacional dos negócios jurídicos.[32]
Portanto, o Estado Democrático de Direito veio concretizar
os ideais sociais e os princípios mentalizados na vigência do Estado Social de
Direito, adaptando-se a uma realidade cada vez mais fluida e rápida, que gerou
uma massificação das relações negociais (e dos contratos), fazendo necessária
esta adaptação.
[1]
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.74-76.
[2]
AMARAL, loc.cit.
[3]
ROPPO, Enzo. O contrato. trad. Ana
Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p.348.
[4]
BARROSO, Lucas Abreu. Evolução histórica. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO,
Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p.34.
[5]
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003.p.72.
[6]
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. 3. ed. Rio de
Janeiro: Aide, 2001. p.63.
[7]
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e
Direitos Fundamentais. Curitiba. Juruá, 2009. p.35.
[8]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010. p.63.
[9]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010. p.63.
[10]
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e
Direitos Fundamentais. Curitiba. Juruá, 2009. p.36.
[11]
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.17.
[12]
LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In: FIUZA,
César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.).
Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.200.
[13]
Vide CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento
contratual: modalidades, consequências e hipóteses de exclusão do dever de
indenizar. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2010. ”O contrato, em maior ou menos
intensidade, desde a antiga Roma até o inicio do século passado, inspirou-se em
quatro princípios, ditos clássicos, sendo eles: a autonomia da vontade, o pacta
sunt servanda, a relatividade dos efeitos dos contratos e o consensualismo, e
em síntese, satisfazia aos interesses egoísticos e individualistas dos mais
fortes em detrimentos dos menos favorecidos, na medida em que pertencia a um
direito que servia como instrumento de dominação social.” p.72.
[14]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010. p.72.
[15]
ZANETTI, Cristiano de Souza. Princípios. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas
Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p.68.
[16]
TJSP. Ap. Cível Nº. 0141960-86.2010.8.26.0100.
29ª Câmara de Direito Privado. Rel.Des. Reinaldo Caldas.: “Os autores,
funcionários aposentados do Banco do Estado de São Paulo S/A, por meio da Caixa
Beneficente dos Funcionários do Banco do Estado de São Paulo S/A - CABESP,
aderiram, em l i d e maio de 1973 (fl. 65), ao seguro de vida em grupo mantido
pela seguradora ré (apólice n° 19300000010 - "Apólice 10"), com
desconto mensal do prêmio em folha e, posteriormente, por débito em conta
corrente. Em maio de 2005, a seguradora comunicou aos autores (fl. 71) que não
seria renovada a apólice do seguro, em face do disposto no item 8.4. das
condições gerais e nos artigos 26 e 28 das Normas para o Seguro de Vida em
Grupo, aprovadas pela circular SUSEP n° 1 7 de 17/7/1992, ou seja, expiraria o
seu prazo de validade às 24h00 do dia 31 de maio de 2005 e não havia interesse
na continuidade da relação contratual. Como se infere dos autos, depois de
trinta e dois longos anos de regular pagamento do prêmio securitário, a
seguradora simplesmente deliberou romper o contrato, negando-se a renová-lo sob
o argumento de expiração de seu prazo de validade e desinteresse na renovação.
Ao fazê-lo, retirou dos segurados, no ocaso da vida, a tranqüilidade de saber
que, em caso de sinistro, seus familiares receberiam o valor do seguro, de modo
a fazer frente à incógnita do porvir. Essa atuação não pode passar incólume ao
crivo do Judiciário, pois que se constitui, sob a capa de exercício regular de
direito, manifesto abuso, verdadeiro ato ilícito; abuso que, se previsto em
cláusula contratual, também a contamina. Houve evidente maltrato ao princípio
da boa-fé contido em todo contrato e notadamente no contrato de seguro,
consoante disposto no artigo 765 do Código Civil. Inaplicáveis as disposições
dos artigos 760, caput do Código Civil e 5º, inciso II e § 2º da
Constituição Federal, como quer a ré, porque não se cogita de lesão aos princípios
da legalidade, da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, mas, ao
contrário, de direito à reparação civil decorrente de ato violador do direito
da parte autora, consistente na abusiva e injusta recusa de renovação do
contrato, sem disponibilizar alternativas outras que pudessem minimizar as
conseqüências do fato. Basta lembrar que foram trinta e uma renovações desde a
primeira contratação e como de sua denominação, o seguro contratado visava à
garantia de toda a vida dos autores e não somente de parte dela, não se
justificando que, ao chegar no limiar da velhice, ante a real perspectiva de
pagamento da indenização securitária por um dos eventos cobertos, ou seja,
morte ou invalidez permanente, possa a seguradora simplesmente ignorar os autores
segurados, reduzidos à condição de produtos descartáveis e meros
"contribuintes" por longos 32 anos, sem direito a nada, sob o surrado
argumento do "comprometimento do equilíbrio financeiro". Mais do que
adjetivações indigestas, a atuação da seguradora representa inequívoca afronta
ao disposto nos artigos 4o, inciso III e 51, incisos IV e XV, e parágrafo I o
do Código de Defesa do Consumidor, escusada aqui a sua transcrição por óbvio.
Não é só. Houve também grave violação
aos princípios da probidade e da boa-fé previstos nos artigos 113 e 422 do
Código Civil, que impõem às partes o resguardo, tanto na conclusão quanto na
execução dos contratos, à conduta proba e de boa-fé. Enfim, cláusula contratual
que garanta a não renovação do contrato, após trinta e dois anos, depois de
simples notificação prévia enviada ao segurado, é não só abusiva como
profundamente injusta, razão pela qual não pode prevalecer porque agride os
princípios da probidade e da boa-fé, além de impor ao contratante a
visualização de um futuro incerto e inseguro para seus beneficiários.
Juridicidade conecta-se com legitimidade do direito. Tão ilegítima é a atuação
de quem malfere a norma jurídica, como a de quem abusa do próprio direito,
exercendo-o de modo imoderado, excessivo e sem nenhum resultado útil à
sociedade. Idêntico o raciocínio, em se tratando de contrato, em especial o de
seguro. A prevalecer a possibilidade de, após trinta e dois anos de regular
pagamento do prêmio pelo segurado, poder a seguradora simplesmente negar-se à renovação
do contrato mediante a singela justificativa de que isso está previsto no
ajuste e decorre do "equilíbrio financeiro" supostamente em risco,
estará chancelado o desrespeito à dignidade da pessoa idosa. Houve, em suma,
exercício abusivo do direito, com a conseqüente obrigação de reparar o dano.
Assim, têm os autores direito à indenização, consoante disposto nos artigos 186
do Código Civil, 5o, incisos V e X da Constituição Federal e 6o, inciso VI, do
Código de defesa do Consumidor.”
[17]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010.p.79.
[18]
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.391.
[19]
LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In: FIUZA,
César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.).
Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.215.
[20]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010. p.63.
[21]
BARROSO, Lucas Abreu. Evolução histórica. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas
Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p.34.
[22]
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e
Direitos Fundamentais. Curitiba. Juruá, 2009. p.37.
[23]
PINHEIRO, loc.cit.
[24]
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.73.
[25]
Vide AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato
de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003. Aspectos que apontam a superação do paradigma moderno: “a) A
incapacidade do direito moderno de responder a questões fundamentais como, por
exemplo, a justiça social, o bem comum, e as pertinentes ao início e fim da
personalidade e dos seus efeitos, assim como também a “inadequação metodológica
relativamente ao problema concreto específico da realização do direito; b) Um
certo retorno ao irracionalismo, no sentido de oposição à razão totalizadora do
pensamento jurídico da modernidade; c) A passagem do individualismo ao
solidarismo, ou solidariedade social, expressa na nova concepção de pessoa, não
mais o sujeito abstrato e forma da modernidade, mas a pessoa engajada no seu
meio social; d) O pluralismo das fontes de direito e a importância crescente
dos princípios jurídicos na gênese da norma jurídica aplicável ao caso
concreto; e) A possibilidade e o reconhecimento da individualização e concretude
das normas jurídicas que levam em consideração os aspectos particulares dos
casos concretos; f) A perda da certeza jurídica, a insegurança e a incerteza
jurídica no direito com a conseqüente imprevisibilidade do que resulta a
afirmação de que vivemos em uma sociedade de risco; g) A superação do
formalismo jurídico, que levava ao “isolamento e alheamento dogmático das
exigências e dos problemas histórico-sociais reais e actuais”, em prol de uma
tendência
à “materialização” do direito, isto é, uma tendência ao particularismo jurídico na criação do direito e à utilização de razões materiais pelos órgãos aplicadores do direito. Conseqüentemente, o direito não se apresenta mais como um sistema completo e coerente, capaz de dar resposta a todas as questões jurídicas; h) A constitucionalização dos princípios fundamentais do direito privado, no sentido da sua recepção pelo texto constitucional, que passa a ser o estatuto central da sociedade civil e política, e, conseqüentemente, a perda da centralidade sistêmica do Código Civil, própria do direito moderno; i) A desagregação do direito civil em corpos jurídicos autônomos, dotados de princípios e unidades próprias, que passam a constituir novos ramos do direito. Esse processo representa uma antítese no processo histórico da codificação, sendo, por isso mesmo, conhecido como a descodificação do direito civil; j) Relativização da dicotomia Estado x Sociedade Civil, ou público x privado, surgindo um terceiro setor, o dos interesses públicos, porém não estatais, ora a cargo de entidades ou associações não-governamentais; l) Superação do principio da divisão dos poderes na criação e aplicação do direito, reconhecendo-se que aplicar é também criar direito; m) Crise e até superação da idéia do direito como sistema de normas hierárquicas e axiomáticas. O direito deixa de ser visto como um sistema de normas e passa a ser visto como sistema de procedimentos, superando-se o pensamento sistemático em prol do pensamento problemático; o) Personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevados à categoria de direitos e de principio fundamental da Constituição, donde o reconhecimento de um novo e importante ramo jurídico, o dos direitos da personalidade, direitos fundamentais ou humanos, que “constituem o núcleo das Constituições dos sistemas jurídicos contemporâneos”. p.74- 76.
à “materialização” do direito, isto é, uma tendência ao particularismo jurídico na criação do direito e à utilização de razões materiais pelos órgãos aplicadores do direito. Conseqüentemente, o direito não se apresenta mais como um sistema completo e coerente, capaz de dar resposta a todas as questões jurídicas; h) A constitucionalização dos princípios fundamentais do direito privado, no sentido da sua recepção pelo texto constitucional, que passa a ser o estatuto central da sociedade civil e política, e, conseqüentemente, a perda da centralidade sistêmica do Código Civil, própria do direito moderno; i) A desagregação do direito civil em corpos jurídicos autônomos, dotados de princípios e unidades próprias, que passam a constituir novos ramos do direito. Esse processo representa uma antítese no processo histórico da codificação, sendo, por isso mesmo, conhecido como a descodificação do direito civil; j) Relativização da dicotomia Estado x Sociedade Civil, ou público x privado, surgindo um terceiro setor, o dos interesses públicos, porém não estatais, ora a cargo de entidades ou associações não-governamentais; l) Superação do principio da divisão dos poderes na criação e aplicação do direito, reconhecendo-se que aplicar é também criar direito; m) Crise e até superação da idéia do direito como sistema de normas hierárquicas e axiomáticas. O direito deixa de ser visto como um sistema de normas e passa a ser visto como sistema de procedimentos, superando-se o pensamento sistemático em prol do pensamento problemático; o) Personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevados à categoria de direitos e de principio fundamental da Constituição, donde o reconhecimento de um novo e importante ramo jurídico, o dos direitos da personalidade, direitos fundamentais ou humanos, que “constituem o núcleo das Constituições dos sistemas jurídicos contemporâneos”. p.74- 76.
[26]
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e
Direitos Fundamentais. Curitiba. Juruá, 2009. p.37-38.
[27]
LYRA JUNIOR, Eduardo Messias Gonçalves de. Os princípios do direito contratual.
Revista de Direito Privado. São Paulo. n.12. out/dez
2002. p.150.
[28]
Ibid. p.154.
[29]
TJSP. Ap.Cível Nº 0028104-58.2009.8.19.0203.
2ªCC. Rel. Des. Mauricio Caldas Lopes.: ” Ação
revisional de cláusula contratual.Contrato de financiamento imobiliário firmado
em 30/01/1990.Propaganda veiculada pela Caixa de Financiamento Imobiliário da
Aeronáutica, agente financeiro do SFH, prometendo financiamento 20% abaixo do
preço de mercado e sem resíduo do saldo devedor, não observados, entretanto,
pelo credor financeiro.Sentença de procedência para declarar nula a cláusula
vigésima quarta e parágrafos do contrato, com posterior baixa do gravame, tão
logo quitadas as prestações pactuadas, sob pena de multa a ser fixada. Apelação
Código de Defesa do Consumidor. Contrato revidendo firmado antes da vigência do
CDC, circunstância que, em linha de princípio, afastaria a incidência do
diploma consumerista.Em linha princípio porque, na verdade, a Lei 8.078/90
apenas detalhou os meios e modos de proteção ao consumidor, objeto, desde
antes, de enfática disposição constitucional, qual a do inciso XXXII do artigo
5º da Constituição da República, princípio puro a partir de sua dimensão
institucional ou objetiva, aparentemente condicionada a interpositio
legislatoris que a identificação de seus pretendidos efeitos
dispensava.Desigualdade material e técnica dos autores, diante de autênticos
nichos do poder -econômico é bem verdade, mas poder --, que já demandava sua
enfática proteção como decorrência mesmo dos efeitos irradiantes dos direitos
fundamentais num estado de direito democrático que privilegia, ainda que
nas relações contratuais em geral, a ética e a boa-fé que se insinuam
como limites da liberdade contratual e de executar as obrigações
contratadas.Objeto do contrato - imóvel para moradia, que compõe sem dúvida
alguma o mínimo social sem o qual nenhuma pessoa é materialmente livre, tanto
no sentido pensado por John Rawls, como por Alexy.Financiamento de NCz$
573.621,93 (quinhentos e setenta e três mil, seiscentos e vinte e um cruzados
novos e noventa e três centavos), a serem pagos em 240 prestações, quitadas,
quando do ajuizamento da ação, 232 delas.Saldo residual de R$ 224.614,84
(duzentos e vinte e quatro mil, seiscentos e quatorze reais e oitenta e quatro
centavos), a ser resgatado em mais 120 (cento e vinte) parcelas, fixado e apresentado
unilateralmente pelo credor, já na vigência do Código de Defesa do Consumidor,
a cujos efeitos imediatos não poderia se subtrair o pacto, pelo menos no que
respeita a tal saldo. Efeitos imediatos da lei nova que não se confundem, em
absoluto, com sua retroatividade, ainda mais quando se considere a natureza do
contrato, de trato contínuo ou sucessivo, diferida no tempo a constatação de
eventual saldo devedor, unilateralmente -- insista-se -- estabelecido pelo
vendedor.Fins sociais do contrato e natureza consumerista da relação que bem
justificam a sujeição do contrato revidendo, no particular aspecto da cláusula
impugnada, aos efeitos imediatos da lei nova. Cláusula, ademais, puramente
potestativa.O Código Civil de 1.916, sob cuja égide fora elaborado o contrato,
era expresso no sentido de que é nula a cláusula que deixe a critério exclusivo
de uma das partes, a fixação do preço do negócio, assim como também o são o
Código Civil de 2.002 e o Código de Defesa do Consumidor.A Colenda 24ª Câmara
de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em V.
Acórdão relatado pelo eminente Desembargador Roberto Mac Cracken, acolheu a
tese de que nos contratos de crédito imobiliário regidos pelo Sistema
Financeiro da Habitação é impossível, juridicamente, a cobrança de "saldo
residual", unilateralmente fixado pelo credor, depois de integralmente
pagas todas as prestações contratualmente previstas, exibindo-se nulas de pleno
direito as cláusulas que assim disponham, notadamente à vista de sua
abusividade, a impedir que o consumidor/o comprador tenha conhecimento pleno do
total a pagar ou, se quiser, consciência e ciência integrais do pacto e de suas
consequências e implicações, para, no exercício da liberdade contratual, optar
pelo que melhor lhe conviesse aos interesses. (TJSP, 24ª Câmara Cível, rel. o
Desembargador Roberto Mac Cracken,
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Ar tigos/roberto.pdf)Assim,
puramente potestativa a cláusula que deixa ao critério exclusivo de uma das partes
a fixação do preço final do negócio, resulta ela absolutamente nula como
declarado em 1º grau, sem prejuízo da violação dos deveres de cautela, cuidado
e lealdade a que vinculado o fornecedor de bens ou serviços, em decorrência da
boa fé (art. 4º, III, CDC) que preside as relações de consumo, em ordem a proteger
o consumidor, a parte mais frágil da relação de consumo -- princípio da
vulnerabilidade, art. 4º, I, c/c o inciso IV, do art. 6º CDC.Proibição de
negativação do nome dos autores mantida, quitadas que se encontram todas as 240
parcelas contratadas.Recurso a que se nega seguimento.
[30]
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e
Direitos Fundamentais. Curitiba. Juruá, 2009. p.38.
[31]
PINHEIRO, loc.cit.
[32]
Ibid. p.40.
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