Bom dia meus caros, hoje vamos falar um pouco sobre o Contrato e sua história. O texto abaixo fez parte de minha Monografia sob orientação do Prof. Dr. Marcos Jorge Catalan, espero que gostem.
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O CONTRATO NA MODERNIDADE
A
Modernidade caracteriza-se pela concentração do poder real, enfraquecimento da nobreza,
ascensão da burguesia e pelo culto da razão de Estado, distinguindo-se pela
cultura e a organização social que emergem na Europa no séc. XVII, baseando sua
mentalidade à idéia de racionalização, ou seja, a razão como princípio básico
de organização de vida pessoal e coletiva.[1]
A
Sociedade Moderna, na visão de Francisco Amaral, “era o mundo do
individualismo, da segurança e da certeza do direito, da igualdade formal, da
razão e das liberdades individuais” [2], momento em que a função das leis era proteger somente
a vontade criadora e assegurar a realização dos efeitos queridos pelos
contraentes.[3]
Este
momento vivido pela sociedade caracteriza-se, também, mas principalmente, pelos
importantes processos de natureza política, econômica, social, religiosa e
cultural que nele se verificaram, tendo como principais elementos de impacto no
direito privado, a revolução comercial, a reforma religiosa, o desenvolvimento
dos estados nacionais e dos governos absolutos, a revolução intelectual do
racionalismo e o desenvolvimento do individualismo.[4]
A
revolução comercial, ocorrida neste período, deu origem ao capitalismo,
caracterizado pela propriedade privada dos bens de produção e de consumo,
trazendo a mudança do paradigma econômico que vigia até então, abrindo caminho
para a expansão do comércio, instaurando um modelo econômico dinâmico e com
fins lucrativos[5], para isso, utilizando-se do instituto adequado para
atingir tais fins, o contrato, como é possível visualizar nas palavras de
Orlando Gomes:
O liberalismo econômico, a idéia
basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados,
e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem
funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de uma
classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer-se do
contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica.[6]
O
conceito moderno de contrato foi formado em consequência da confluência de
diversas correntes de pensamento, entre as quais é possível citar a dos
canonistas, que instituíram a valorização do consentimento, preconizando que a
vontade é a fonte da obrigação, e a corrente da escola de Direito Natural, que a
partir do racionalismo e individualismo influiu diretamente na formação
histórica deste conceito de contrato, ao defender a concepção de que o
fundamento racional do nascimento das obrigações se encontrava na vontade livre
dos contratantes.[7]
A
partir desta ideologia contratual resumiam-se as expectativas da sociedade
ocidental, que buscava expandir os limites da liberdade individual,
necessitando, a sociedade, superar a visão feudal que ainda se fazia presente,
era necessário reduzir as desigualdades para que houvesse uma evolução.[8]
Para
tanto, surgiu o Estado Liberal de Direito, consagrado após a Revolução
Francesa, próprio do liberalismo econômico e distanciando-se cada vez mais do
regime feudalista, adentrando na era da soberania estatal[9], tem como principais características o primado da lei,
a divisão dos poderes, a generalidade e abstração das regras jurídicas e a
distinção entre direito público e direito privado.[10]
O
Estado Liberal[11] se consagrou como o Estado da legalidade e da
liberdade dos indivíduos, livres e iguais, fundamentando-se na subjetividade
jurídica e no reconhecimento do homem como sujeito abstrato de direito.[12]
Neste
cenário social surgiu como marco histórico para o direito, e para a seara
contratual, o Código Civil francês, a primeira grande codificação moderna, em
que o contrato aparece com o sentido de responder as questões impostas pelas
classes menos privilegiadas, disciplinado no livro terceiro, dedicado as formas
de aquisição de propriedade por meio, simplesmente, do contrato.[13]
Como
aduz Francisco Amaral, o Código Civil francês significa “[...] o triunfo do
individualismo liberal, expresso no caráter absoluto do direito de propriedade
e no princípio da liberdade contratual [...]”.[14]
Com
isso, o contrato tornou-se o meio disponibilizado para efetuar a expansiva circulação
de riquezas, motivo pelo qual era defendida a necessidade da liberdade
contratual, acreditando, a sociedade, que o contrato por si só já traria uma
natural igualdade, proporcionando a harmonia social e econômica, como
eternizado na expressão específica para a época: “Quem diz contrato, diz justo”.[15]
Consagrou-se,
assim, a autonomia da vontade como expressão do Estado Liberal, se vinculando à
livre iniciativa comandada pela burguesia da época, que tinha o contrato como
instrumento concretizador de seus desejos, principalmente sob o pálio do Código
Civil francês.[16]
Além
da autonomia da vontade, faculdade atribuída aos indivíduos de negociar ou não,
o contrato também se inspirou em outros princípios, sendo eles as pacta sunt servanda, ou a força
obrigatória dos contratos, conseqüência do livre exercício da vontade, que
transforma juridicamente o contrato em “lei” entre os contratantes (art.1134 do
Código Civil francês); a relatividade de seus efeitos, que dispõe ter as
obrigações a função de produzir efeitos apenas entre as partes, não
prejudicando nem favorecendo terceiros; e o consensualismo, que surge da
manifestação de vontade dirigida dos contratantes.[17]
Diante
disso, fica claro que o Código Civil francês influenciou diversas legislações
que vieram após sua concepção, trazendo seu paradigma geral e abstrato para as
codificações que ajudaram na evolução do paradigma até então vigente.[18]
Mais adiante, com o advento da Revolução
Industrial (1860), as dimensões do contrato se alteraram radicalmente, fazendo
deste um mecanismo jurídico indispensável para a articulação de todo o sistema
econômico. Isso ocorreu no contexto de um enorme desenvolvimento das forças
produtivas e de uma extraordinária intensificação das trocas.[19]
No
Brasil, o advento do Código Civil de 1916 veio disciplinar o Direito Privado e,
por sua vez, o contrato, este, fundado na idéia de manifestação da vontade dos
contratantes, como toda codificação da época, dando importância ao que foi
acordado entre as partes, sobrepondo a relevância da vontade diante de
possíveis distorções contratuais.[20]
Portanto,
o contrato derivado da Modernidade, expressado no Estado Liberal, traduzia as
aspirações da classe dominante pela valorização extrema da autonomia da
vontade, da igualdade formal e da abstração do instituto, tendo como objetivo
que o pacto abrangesse um conteúdo variado e uma amplitude prática.[21]
Nesta
percepção de contrato prevaleciam, na relação negocial, os princípios
contratuais individuais, pois o Estado intervia minimamente para sua regulação
e proteção, ou seja, o contrato era válido, mas desequilibrado, levando, muitas
vezes, uma das partes ao enriquecimento sem causa e a outra a ruína[22], instaurando uma flagrante injustiça, pois o Estado
admitia essas desigualdades, imoralidades e desproporcionalidades na ambiência
contratual.[23]
Em
consequência disso, os socialmente fracos sucumbiram diante das regras impostas
pelos contratantes fortes, dado que o fator patrimonial estava acima das
questões sociais, fato este, que transparecia a necessidade de uma adequação da
visão jurídica e contratual à realidade em que se vivia.
[1]
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.66.
[2]
Ibid.
p.72.
[3]
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.37.
[4]
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed., rev. modificada
aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.153.
[5]
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed., rev. modificada
aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.153.
[6]
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.7.
[7]
Ibid. p.6.
[8]
BARROSO, Lucas Abreu. Evolução histórica. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO,
Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p.33.
[9]
BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 3.
ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 41.
[10]
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós-Modernidade. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.70.
[11]
TJRJ. Apelação Cível 2008.001.46249.
12ª Vara Cível da Capital. Rel. Des. Fernando Foch: “Isso é
instrumento de igualdade material e por si derruba o conceito de pacta sunt
servanda como regra intangível, tornando definitiva a força vinculante dos
contratos. A finalidade social do contrato não é mais aquela se concebia sob o
Estado liberal, qual seja a de se manter a estabilidade das interações pela
submissão recíproca de cada qual das partes à vontade da outra [...]”.
[12]
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed., rev. modificada
aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.156.
[13]
VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria geral dos contratos. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 1996. p.376.
[14]
AMARAL, op. cit., p.160.
[15]
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.44.
[16]
FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Os
deveres contratuais gerais nas relações civis e de consumo. 2008. 271 f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito.
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo, São Paulo, 2008. p.33.
[17]
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades,
consequências e hipóteses de exclusão do dever de indenizar. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2010.
[18]
BARROSO, Lucas Abreu. Evolução histórica. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO,
Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p.33.
[19]
ROPPO, Enzo. O contrato. trad. Ana
Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p.25.
[20]
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá,
2001. p.79.
[21]
BARROSO, Lucas Abreu. Evolução histórica. In: MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO,
Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p.33.
[22]
DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade
civil pós-contratual. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.34-35.
[23]
Id. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do
consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.p.8.
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